Nunca tive medo de bruxas

Nunca tive medo de bruxas. As bruxas sabem das coisas. Enquanto as princesas estão muito ocupadas em fazer o mundo girar ao seu redor, as bruxas estão girando à solta por aí, conhecendo as plantas, falando com os animais ou metamorfoseando-se em um deles e transformando ou até protegendo esse mesmo mundo.

As princesas têm que estar sempre lindas. As bruxas, não. As princesas têm muito medo da floresta. As bruxas vivem na floresta. As princesas só usam vestidos com brilho. As bruxas usam o que lhes der na telha, até mesmo vestidos com brilho, por que não?

As princesas casam-se com príncipes. As bruxas não se casam ou casam-se com quem bem entenderem. As amigas das princesas fazem parte de seu séquito. As da bruxa, de sua irmandade de iguais.

As princesas não ajudam as bruxas, mas as bruxas, muitas vezes, ajudam as princesas.

Uma das bruxas mais fascinantes dos contos de fadas é, sem dúvida, Baba Yaga. Figura das mais conhecidas do folclore russo, com equivalentes em quase todas as culturas, ela é a mulher velha e solitária que vive em uma cabana na floresta. Longe de ser a vovózinha (apesar de Baba significar “avó”) querida e indefesa, ela viaja no vento, dentro de um pilão e usa uma vassoura para varrer qualquer indicação de seu trajeto. Sua cabana não é uma casinha simpática de madeira, mas um muquifo que se move com pernas de galinha.

Em todas as histórias em que aparece, sua presença serve como um indicador de mudança. Seu domínio é a floresta, um símbolo de transformação e um lugar perigoso, onde ela atua como um desafio ou como um auxílio para quem, porventura, cruzar seu caminho. Dependendo das circunstâncias da história, ela escolhe usar seus poderes para a vida ou para a morte e isso a torna muito intrigante e complexa.

Nossa vida não é um caminho reto, livre de atribulações ou obstáculos. Nosso encontro com Baba Yaga é inevitável. Ela é a pedra no meio do caminho. A maneira como a vemos é decisiva para nosso destino. Com honestidade e inteligência podemos convencê-la a agir em nosso auxílio, pois a essa bruxa não interessa nossa origem ou o quanto de ouro carregamos conosco. A única coisa que interessa a Baba Yaga é o que trazemos dentro de nós. Se não for grande coisa, viramos refeição. Ela dá inúmeras chances de escape e sucesso a seus capturados, mas tem pouquíssima tolerância com quem não as entende e permanece apenas gritando por socorro.

Enquanto as princesas desejam toda a atenção para si e para seus problemas existenciais, Baba Yaga cuida da floresta e do que ali está. Ela é uma força ctoniana que obedece ao ciclo imutável da vida e da morte.

É, na verdade, o mais próximo que podemos chegar do que é realmente ser parte da natureza.

Princesas encapsulam-se em castelos de gelo, em torres de marfim, em palácios de cristal. Vestem-se com ouro e pedras preciosas . Baba Yaga veste-se de folhas e gravetos.

Não tenho medo de bruxas, mas tenho um pouco de medo, sim, de princesas narcisistas e instáveis.

Texto por Luciana Lhullier