Evento de lançamento da Editora

As mulheres convidadas para falar sobre as autoras que as inspiram: Sueli Gehlen Frosi,Luciana Lhullier, Piti Ochoa Ughini e Raquel Cesar da Silva

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“Pouca gente se dá conta do quanto o espaço da escrita e da publicação é um espaço de poder – o poder de falar com legitimidade. A ideia é, então, incentivar e legitimar a voz e a visão de mundo das mulheres na escrita” (Luciana Lhullier)

Foi uma noite atípica. Mais mulheres do que homens ocupavam as cadeiras do Teatro Municipal Múcio de Castro, em Passo Fundo, na sexta-feira, dia 22 de junho. Mas o evento não era sobre moda, beleza ou qualquer outro tema clichê associado às mulheres. Era uma noite para falar sobre a literatura.

No palco, quatro mulheres falavam sobre o trabalho de outras quatro mulheres. Luciana Lhullier, autora de “A Casa de Dentro e Outras Loucuras” e responsável pela nova Editora Desdêmona, falou sobre a obra da americana Pearl S. Buck; a escritora e professora Piti Ochoa Ughini, trouxe a sua experiência com a escritora Lya Luft; a doutoranda em Letras, pela Universidade de Passo Fundo, Raquel Cesar da Silva, ressaltou a literatura feita por mulheres negras, destacando o trabalho de Carolina de Jesus; e a autora Sueli Gehlen Frosi, abordou a sua relação com a obra de Kate Chopin.

 

A fala das mulheres no palco, inspirou as mulheres da plateia a também se manifestarem e muitas saíram trocando ideias sobre os livros que poderiam escrever e, agora sim, publicar.

Afinal, a noite marcou o lançamento da Editora Desdêmona, idealizada por Luciana Lhullier para publicar livros escritos por mulheres. A escritora relata que há um número baixo de escritoras no Brasil, proporcionalmente ao número de mulheres do país. Por conta de pesquisas, sabemos que 72 % dos escritores brasileiros são homens. “Seria esse um indicativo de que as mulheres não escrevem ou simplesmente não são publicadas? Ou que a literatura feminina ainda não tem um espaço completamente estabelecido para desenvolver sua voz?”, questiona.

Luciana acredita que as mulheres escrevem, mas que suas oportunidades de publicação são menores que as dos homens, por diversas razões, inclusive a de não imaginar que isso seja possível. “Diante disso, abrir uma editora para mulheres faz sentido”, afirma.

Segundo ela, não há diferenças pontuais entre a escrita de homens e mulheres, mas há diferentes cenários e diferentes enfoques. “A escrita masculina é, frequentemente, uma escrita mais enquadrada nas tradições bem estabelecidas: a escrita das grandes façanhas e conquistas do mundo ou então a escrita das angústias do anti-herói, com grandes dificuldades de funcionar em um mundo dentro de vínculos emocionais mais significativos, sem saber o que fazer com os próprios sentimentos, e eternamente dependente de um olhar que o engrandeça. Já a escrita feminina privilegia o espaço interior, o território dos sentimentos, dos desejos, dos pequenos detalhes do cotidiano, da intimidade, das contradições de exercer múltiplos papéis e também das lutas por reconhecimento. Mas não são espaços fixos, engessados, apenas se observa uma presença maior do masculino e do feminino em um e em outro”, explica.

A Editora não deixa de se posicionar como um meio de incentivo a escrita das mulheres, pois acredita ser necessário criar ou retomar espaços igualitários e de direito.

“Pouca gente se dá conta do quanto o espaço da escrita e da publicação é um espaço de poder – o poder de falar com legitimidade. A ideia é, então, incentivar e legitimar a voz e a visão de mundo das mulheres na escrita”, enfatiza Luciana.

A Editora procura a voz das mulheres para ser publicada e a traduz em uma fala da escritora Marina Colassanti, que, em uma de suas passagens por Passo Fundo, disse que “essa voz é essa coisa muito feminina que cruza o doméstico com a carne de cozinha e com a carne do corpo; que cruza os filhos com as preocupações filosóficas”. Nas palavras de Luciana, “é essa voz sem fronteiras, multicolorida, multifacetada, dolorosamente profunda, muitas vezes, na simplicidade cortante do cotidiano, corajosa, maravilhosamente humana, que nós queremos publicar”.

A oportunidade para Desdêmona falar

O nome da Editora é inspirado em uma personagem de Shakespeare, da obra Otelo, o Mouro de Veneza. Na história que reúne amor e ciúmes, Otelo mata a esposa Desdêmona asfixiada, acreditando que ela o teria traído. Desdêmona não teve a chance de se defender e de falar, e é por isso que o seu nome foi escolhido para a Editora – pois agora ela poderá dizer muito através das palavras de outras mulheres. O primeiro lançamento da editora quer reunir diferentes vozes em uma coletânea, que vai levar o nome de “As coisas que as mulheres escrevem”.

 

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*Esta matéria foi publicada, originalmente, na Revista impressa Contato Vip do mês de julho de 2018. Conheça mais sobre a revista: http://www.contatovip.com.br/norte/

 

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