A Gata com seus gatinhos na cabana abandonada

Eu era adolescente. Tinha uns 12 anos. Na frente da nossa casa, havia uma cabana abandonada. Eu amava explorar casas abandonadas. Lá, eu encontrei uma gata malhada, com olhos grandes e mais redondos do que são os olhos dos gatos, geralmente, e o rabo curtinho. A gata parecia um anime e ela tinha filhotes grandinhos, muito ariscos.
Havia canos de esgotos entreabertos no pátio desta casa, para onde os gatinhos corriam quando eu chegava. A gata não fugia. Ela me mostrou a carniça da última caçada , já podre, fervilhando de vermes. Fiquei vidrada olhando a dança dos vermes. E ela ronronou para mim.
Comecei a visitar a família todos os dias, levava comida e fui amansando os filhotes.
Os meninos do meu bairro descobriram meu segredo. Falaram que iriam matar os gatinhos, `a pedrada para abrir e ver por dentro. Avisei que espancaria quem fizesse isso. Um dia cheguei e um gatinho estava morto, mas estava fechado. Conclui, então, que não fora um menino e, sim, doença vinda do esgoto. Juntei o resto da família e levei para minha casa. Não sei como convenci minha mãe aceitar todos.

Sou adulta. Faz dias que examinava, toda manhã uma mulher grávida com bolsa rota, 30 semanas de gestação. Pouco para se dizer que o bebê estivesse, de fato, pronto. Mulher mais velha, gestou muitos, roupas engraçadas, olhos grandes, parecia uma gata malhada, remeteu-me aos 12 anos, quando ainda mergulhava nos acontecimentos sem reservas emocionais.
Esqueci de vestir a armadura, a casca dura.
O professor disse que aquele seria parto de doutorando. Seria fácil. Gestou muitos.
“Vou visitar o bebê na barriga todos os dias e vai nascer na minha mão.”Sonhei.

….

Nasceu no turno que eu não estava.
Quando eu cheguei, logo morreu.
Infecção. Esgotos da vida.
De madrugada acordei de um pesadelo: bebês prematuros se arrastando pelos esgotos.
Hoje, eu não posso mais levar os sobreviventes para minha casa.
Mas posso cuidar da melhor forma dos filhotes que tenho comigo, Da minha ninhada.
E eu posso escrever.

Biografia da autora:
Dafne é mãe das gêmeas Laura e Elisa e do Artur.
Mestre em Letras e doutoranda em Medicina.
Gosta de escrever sobre a infância e seu cotidiano. Adora caminhar ao ar livre e ler para seus filhos.
Publicou o livro “O Armário de Basileu”, pela editora Desdêmona.