Um mundo mais tolerante e tolerável

Há alguns anos, quando um dos episódios tão esperados da saga Star Wars foi lançado no cinema, ouvi duas pessoas não leitoras de ficção – muito menos de ficção científica – falarem sobre sua incredulidade diante da disposição dos fãs de assistir repetidas vezes o mesmo filme. Permaneci em silêncio, mas lamentei internamente esse desconhecimento. Explico a seguir.

A ficção científica faz parte de um gênero maior, mais abrangente, que se chama literatura especulativa. Dentro desse gênero estão também a fantasia e o terror.

Essa “tríade nerd” da qual sou fã – e com a qual me identifico – tem sido vista como menor, ou como menos importante do que a literatura realista. Talvez porque para muitos a literatura em si não seja importante, ou talvez porque o gênero “sci-fi” esteja associado a leitores adolescentes e são sabidas as dificuldades que muitas pessoas têm em amar e até “fazer as pazes” com o adolescente que foram. Nesse caso realmente se torna muito difícil aceitar a imaginação, a criatividade e a ousadia da adolescência – características presentes nas obras de ficção científica.

E aí está uma definição desse gênero que nos mostra sua necessidade e seu valor: a ficção científica é a literatura da alteridade, a literatura do “outro”, mostrando pontos de vista diferentes e alternativos em tópicos que nos são familiares, ampliando assim nossas visões de mundo e nossas possibilidades de resolução de conflitos. Não é uma previsão do futuro. Não é, aliás, uma previsão de ordem alguma.

Mais do que qualquer outra coisa, é uma descrição simbólica de como seria o mundo em resposta a uma simples pergunta: E se…?

E se um jovem médico traumatizado com grandes perdas decidisse enfrentar a morte e trazer os mortos de volta à vida? Frankenstein. E se os Aliados tivessem perdido a segunda guerra? The Man in the High Castle. E se espécies diferentes de vida de todo o cosmo pudessem estar juntas em uma mesma nave, viajando no tempo e promovendo a paz? Star Trek. E se a criatura mais desconhecida e temida do universo estivesse, na verdade, dentro de nós? Alien, o oitavo passageiro.

Meu lamento em relação ao desconhecimento das pessoas do que representam as histórias e, mais especificamente, as histórias de ficção científica é o de que as vejo desperdiçando uma ferramenta valiosíssima de pensar a própria vida e a vida que está em seu entorno. E nós nunca deveríamos abdicar da oportunidade de pensar. Sabemos onde isso leva.

Como diz Ursula K. Le Guin, autora de ficção científica, ao receber o National Book Awards em 2017:

“ Tempos difíceis estão chegando, e vamos querer ouvir as vozes dos escritores que conseguem ver alternativas para como vivemos, e que conseguem encontrar outras maneiras de existir e de ter esperança, vendo através do véu desta nossa sociedade controlada pelo medo e obcecada com a tecnologia. Vamos precisar de escritores que se lembrem do que significa ser livre – poetas, visionários – realistas, mas de uma realidade ampliada.”

 

Texto por Luciana Lhullier

 

IMAGEM: ATRIZ CARRIE FISHER COMO A PRINCESA LEIA, EM STAR WARS.