PERAS EXCELSAS E SEM FRONTEIRAS

PERAS EXCELSAS

Dentro dos olhos, por trás das retinas, existem mistérios que só o coração pode navegar. Mares de línguas cósmicas a serem descobertas pela rebentação do desejo que nos move para terras escondidas e suntuosamente sublimes.

Eu viajo muito nos meus pensamentos e, às vezes, tenho sonhos. Quando os tenho, são vívidos. Uma vez sonhei que via um Castelo Medieval. Era preciso inclinar a cabeça para ver as torres, o portão principal era de madeira, provavelmente esculpido por um mestre artesão com enormes dobradiças de ferro já vermelho-alaranjadas pelo efeito atmosférico, oxidativo do tempo. Era toda uma fortificação sólida de pedras acinzentadas milenares empilhadas uma a uma por mãos camponesas, com musgos subindo vagarosamente nas suas bases. O tempo moldava aquela estrutura, o ar era de muitas vidas passadas ali. Lembro-me de que o clima era de montanha, era agradável respirar, era dia, se manhã ou tarde não sei precisar o fluxo das horas. Estava andando, ainda, por fora do Castelo. De repente, apareceu uma árvore, enorme, me cobriu com sua copa de galhos nem finos nem grossos, com folhas verdes espaçadas permitindo a passagem dos raios de sol morno, os quais não machucavam meus olhos – era bonito de se ver! – e ainda via o castelo de soslaio. Pisquei. Olhei para a árvore majestosa. Eu era tão pequena diante daquele ancestral! Havia frutas amarelas penduradas (um cheiro ainda a ser descoberto). Eu me movia devagar – estava vivendo um sonho, mais uma vez pisquei – as frutas, todas, começaram a cair. Uma chuva amarela de frutas maduras, atravessava meu corpo, ou algo que associo a corpo, mas sem a forma de um: era o meu espírito, pois elas não me machucavam, caiam, choviam. Olhei para o chão úmido, com cheiro petrichor. Agora já era amarelado de frutas. Foi ao encontro de uma delas minha mão. A fruta era macia, forma firme; levei à boca, mordi, escorreu pela lateral do encontro de meus lábios o sumo do gosto de pera. Eram peras, peras maduras, peras excelsas, o gosto era de peras maduras.

E agora… penso em você, não me lembro do seu rosto e quando olho a foto do dia que te conheci, lá está você: morena, com cabelos mexidos pelo vento(ah, como eu queria ser o vento!). Em uma mão, a barra da saia improvisada com uma canga estampada de rosto de mulher, chinelos noutra. De costas para mim, mas de frente para o mar, olhando o sol amarelo-ouro indo embora daquele dia, indo para debaixo do mar. Não quero piscar, não quero perder a hora que você vai se virar e vou ver o seu rosto, vou ver o seu olhar, que eu ainda não conheço.

O sol se foi. Pisquei. A noite veio com aquele torpor dos dias da semana nos corpos dos trabalhadores que usam as mãos como instrumento para o ofício. Sem a imagem do rosto, apenas deixo a memória do meu corpo emergir. E veio o beijo. Do primeiro ao último, lembro-me dos extremos, foram os mais endorfinados. Quantos beijos trocamos no meio? Estes se diluíram entre os corpos e o consciente do entorpecimento funde-os. Lembro-me do primeiro beijo, delicado, na forma alongada do tempo (incontável) de bocas entrelaçadas, as línguas muito próximas, um fenômeno de polos: magnetismo. Erámos a evidência da eletricidade criando um ímã.
Experienciamos física. Sinto o toque, sinto seu cheiro de cravo, um arrepio e um calor sobe entre minhas pernas, aquela energia ainda reverbera em mim. O corpo fala, arde. Você me faz tremer aqui nessa cidade quente. Eu desmorono na varanda sentindo frio na pele e ardendo por dentro. Não sei o que fazer! Eu só sinto meu corpo falar. E ele fala! Eu não digo nada a ele. Deixo que tenha a experiência. Ele vai solto, balança, meu pescoço estala, meus pés esfriam, os braços se aquecem, meu peito arde. Não tenho controle, ele está solto, minha mente viaja, não sei mais onde estou! Eu só sinto! O ar entra nos meus pulmões. A boca sussurra algo que não entendo, meus ouvidos? Não sei o que ouço. Tudo é amarelo, tudo é amarelo.

– A nossa experiência foi incrível! Foi o que ela me disse. Nossos corpos se entendem melhor que qualquer palavra: vibra. As palavras dessa Mulher-Terra são poucas, seus sentimentos respiram outros ares, o revelar-se silêncio de terras muito particulares é permitido para a natureza do vento, da água, da terra, do fogo. Não ouso tocar nessa beleza pura. Ela é a natureza na sua forma mais singela. Na natureza das coisas está o bem-estar. Eu sinto!

— Não vejo mais o seu rosto.

— Sabes por que quero tanto te reencontrar?

 

SEM FRONTEIRAS

Quero ser mar-onda.
Quero ser sol-fogo.

Eu quero ser o vento que cruza
o mundo,
longe das turbulências.

Lá onde o fim é começo.

Naquela linha utópica,
onde céu e mar se tocam,
na noite sem fim
do raio de sol

Textos por Giuda Sousa

 

Biografia da autora:

Eu sou Maria Giudelandia de Sousa. Difícil de me definir, não gosto de limites, todos me conhecem por Giuda, tenho um sorriso fácil, sou de viajar, gosto dos encontros, gosto de gente, de cerveja vermelha, eu amo o mar. Sou muitas dentro de mim, agora: eu sou 36 anos de vida, 10 anos de enfermeira, 2 anos de capoeira angola e yoga. Nascida no Piauí em Picos, mas crescida nas terras vermelhas de Ipiranga do Piauí. Hoje moro em Teresina com Bella, minha cachorra, e a poesia está nos meus olhos desde a primeira vez que olhei para o céu (quando criança) e me perguntei: de onde vem a chuva?